segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Mosquito Ordinário

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(E o marinheiro da lua...)
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Não que ela desejasse o vazio. Contudo, acordara tacitamente predisposta a embriagar-se de delírios esquálidos. Seria, enfim, seu instante de tangenciar aquela substância pegajosa que acompanhava sempre o imaginário doce das boas sensações. Era certa aquela perseguição a conta gotas... por certo que era!

A contar gotas se levantara da cama buscando o café frio enfurnado na garrafa há três semanas como uma espécie de necrológio particular. A degeneração de suas feições era um dado, não uma sequência de cartas indesejadas sobre a mesa. Receber o envelhecimento assim, embuído de leveza cansada, passara a ser quase um dom revestido de vatacínios pretensiosamente sábeis. Seguramente frágeis – já que prevalescia sua consciência de não suportar muita coisa para além da futura lembrança do ex chá das quatro.

Ontem quisera fortemente se lançar da janela. Não se tratava de um insulto à consequência física, mas sim de um desafio à sua gravidade mental. O teste daquele desapego supostamente irreversível guardava certa eloquência poética só experimentada antes em literaturas esparsas e conjecturas intrépidas. Mas trepidava, todavia, no medo de restar presa nas agarras de seus sanatórios particulares como o mosquito (do marinheiro da lua) que morde a barra de ferro em brasa.

Porém, aquela retórica da loucura não escondia a face contornada de ornamentos ocidentais que revelavam o devir certo dos votos de todos os anos sobre a mesa de natal. Sabia-se presa! Em amarras bem mais insuportáveis que as das ameaçadoras camisas de força. Encenar o dopping quotidiano daquela existência entediada não parecia ser mais que um abrir e fechar de olhos. Dádiva dada em dados lançados com suas faces idênticas sobre a mesa da vida.

A análise combinatória revelava sua face nas probabilidades uníssonas que se dispunham sobre a náusea daquele tabuleiro: nascera para seguir a sequência daquele código discreto inscrito nas possibilidades idênticas e inafastáveis do jogo... de habitualidades tão sólidas como a dos rituais de desligar do ventre a persona nossa de cada dia.

Convinha. Que fosse rápido então o processo de adaptação à morada aquém do extraordinário. Porque sabia-se Proteu na atmosfera monoteísta das deusas estáticas contidas no retábulo... e lutava assim na arquitetura estarrecida daquele desjejum nostálgico para que tanto menos lhe presidisse o vazio de fixidez insossa de seu conhecido Thedium Vitae.




domingo, 10 de julho de 2011

A película de Magritte

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(Sonoplastia dos carros apressados na maior avenida da cidade...)
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ELA disse ao sujeito por detrás do balcão que lhe espreitava para além da fumaça do café: - Por certo há de haver uma lei na física - que eu, de formação bastante humana, não saberia dizer o nome - que estuda ou explica a razão pela qual emergem de dois referentes representados por dois corpos implicações complexas demais para serem passíveis de explicação por qualquer filosofia... sem referência alguma ao príncipe da Dinamarca, a não ser pelas ruínas. Você não acha?
ELE: É o que se dá, por exemplo, quando se percebe que à medida que nos aproximamos de um corpo (o outro, referente) maior ele fica?
ELA: Movimento inverso ocorre na instância metafísica, mas esta é uma deriva que não vem ao caso...
ELE: Por outro lado, há ainda a questão da gravidade... da atração entre os corpos e, finalmente,  na esfera dos destroços o ralo cósmico - se é que há a esta altura ainda alguma matéria.
ELA: É daí que decorre todo o problema... Ondas são energia.. e vibram.. e se propagam. Então, é como a frequência do rádio, sabe? Ondas que se encontram em sintonia vibram juntas!
ELE: Sim, é exatamente disso que falo! Corpos, simultaneidades, sintonia, atração, aumento ou redução de suas massas. O que você acha de tudo isso?
ELA: Acho que Barthes, se quiser, que explique. Ou Magritte.
(Ele acende um cigarro e lhe toma a palavra:)
ELE: Ela não sabe, mas hoje estamos distantes como nunca antes..
ELA: Ela não sabe?
ELE: Não, nunca se sabe! Os paleativos imediatos afastam a necessidade de "saber" e ofuscam os olhos.
ELA: Ela é o paleativo?
ELE: Todos somos! Mas o fato é que quanto mais nos aproximamos mais criamos a insondável distância, a cordilheira do hiato...
ELA: Quem, afinal, é você? 
ELE: Essa pergunta não viria ao caso, ante a evidência das semelhanças que nos aproximavam no marco inicial do cronômetro que agora não conseguimos parar mais. Mas, neste instante, eu poderia ser o garçon, por exemplo, pouco importa...
ELA: A fumaça do teu cigarro me deixa com falta de ar...
ELE: O mesmo me faz a fumaça do teu café.
ELA: Bem, como diria aquela velha canção, "Meu vício de amar você não é o mesmo que tomar café"...
ELE: Sabe, eu sempre preferi vinho.
ELA: Tinto?
ELE: Tinta.  Adoro tintura.
ELA: Mas a costura se desfaz de maneira mais rápida e sem deixar maiores sequelas...
ELE: Você é o buraco negro que me atrai e me deforma.
ELA: Somos o ralo cósmico um do outro - e é só o que há!
ELE: Você roubou a minha personalidade, de tanto te ser já não consigo ser o inverso.
ELA: Você roubou o meu rosto... olha para ele o tempo todo quando eu sequer me recordo dos meus traços.
ELE: Então, quem somos nós? Alteridade... o inferno de Sarte?
(ela olha o relógio e apaga o cigarro dele dentro da sua xícara de café:)
ELA: Bem, pouco importa. Dezessete e quinze, nossos filhos nos esperam no colégio. Depois falamos sobre isso...

sábado, 2 de julho de 2011

Memórias da tapeçaria...

(...)
"Há uma gota de sangue em cada poema" - o título encerra o poema, Mário! Não era preciso dizer mais nada. Vou então fumar este último cigarro e abraçar a realidade prática do meu dia... como se ela fosse uma verdade tão absurda por fora quanto me é por dentro. Bem como Ângela, sou melhor tapeceira do que cronista.  A ficção é uma aspiração intangível à qual eu me agarraria com tranquilidade se soubesse os limites a partir dos quais ela encerra a realidade. Há aqui já passados cinco anos e talvez ante o meu fim evidente eu consiguisse atar as duas pontas da vida e restaurar na... (...) bem, ainda não sou velha e tampouco carrego um ser meditativo e comatoso de lucidez mais profunda. Ainda tenho as crises de "mulherice" de Ângela, inclusive. E continuo profundamente grata à língua presa que me traz as melhores definições. Há cinco anos eramos mais próximas e eu achava que gostava de Nietzsche. Este pode ser, talvez, o primeiro sintoma da minha protovelhice. Sofrer de amor feliz é contraditório em sua insegura espera pressionada - Lasciate ogni speranza vuoi chi entrate! - Não, Beatriz não desceu até o inferno.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Terça-feira, 17h15min


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(talvez um pouco menos...)
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É que ela não sabia mais escrever. Não apreendia a ficção, talvez porque não fosse capaz de compreendê-La. E por isso às vezes era tomada por uma vontade imensa de come-La. Não se sentia menos pura pelo desejo irresistível de devorar-lhe o cérebro.
Talvez quisesse, de fato, rasgar à unha aquela narrativa e romper o espeço perene que o seu pensamento espesso não adentrava. Queria o quotidiano inalcançável - dos bares, cafés e lugares por entre bocas, saltos e pêlos que lhe fizessem se sentir mais humana. Era larga a avenida mas havia uma via pela qual ela não transitava. Não porque não quisesse, mas pela proibição imposta pelo lastro de suas ideias cediças.
Sedenta que era, invadiu a fresta através da qual enxergava a porta. Como não houvesse mais porta, mergulhou de braços abertos no abismo daquele espaço infinito.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Com licença poética, Clarice:

Agradecimentos solenes ao Rodrigo SM... por ter feito ela ir embora.

Nicômaco à deriva



(Ou, "O justo meio refuta o centro")



Isto não é uma teoria. Nem é um tratado, ou algo do gênero. Constatação necessária, contudo. Aplicável a contingências diversas da vida. É certo: o ponto não encerra, mas demonstra a objetividade da tese. De tudo o quanto nos vem e nos surge e depois se esconde na vontade de ser conduzido ao centro: terrível erro involuntável, tal qual as reações compulsivas das moléstias psiquiátricas. E trata-se, antes, de moléstia propriamente dita - "p-a-t-o-l-o-g-i-a", de phátos (doença, tradutore) e lógos (estudo, traditore), sujeita, portanto, a esta descuidada análise. Conduz à cegueira, fato milenarmente conhecido. Moléstia consciente adquirida, "como quem se morre de varíola voluntária vágula evidente". À qual ninguém aplica a sábia tese maquiavélica em relação à tuberculose ("Das tísicas e da tísica..."). Mas este não é um tratado poético. A propósito, nem é um tratado. Acontece que buscar a excelência e agir conforme as virtudes, nos moldes do "justo meio" bem proposto por Aristóteles, não significa de maneira alguma conduzir as coisas a um centro. Inversa e antitética em relação a esta, inclusive, é a proposição segundo a qual o "justo meio" é dado pela equidistância das coisas em relação a cada um dos extremos. Justo meio aritimético, portanto. Ou, se restar mais claro, "meio termo". Movimento circular sem extremos e, consequentemente, sem nada subsistente no centro (anacruse de mil compassos ante a premissa fundamental). Talvez, então, o caminho para o justo meio possa ser traçado a partir da não condução a um centro daquilo que é estranho à razão e que se opõe a ela e resiste. Sabedoria estóica, não minha. Lançar fora, portanto, a idéia de referência - seja ela contingente ou não. Afastar, por meio de uma relatividade forçada, essa referência do páthos perpetuada no meio poderia, enfim, amenizar os efeitos nefastos de âncoras lançados em portos imprevisivelmente móveis e flutuantes. O que significaria aceitar que a máxima "ações moderadas, moderados; ações corajosas, corajosos" não é em nenhuma medida paradoxal. Refutação do centro, sem peso e nem angústia. objetividade do logos e praticidade da vida (ou "para" a vida). E à alteridade pode então ser conferida a leveza, à parte da idéia do "le enfer c'est les autres". Nomadismo de anima - já que quem não possui um centro é sempre desprovido da vontade de voltar pra casa.

Anticredo



(...§...)



Contudo, é inverdade. Dois ou três minutos de silêncio diriam mais que sete anos de palavras inúteis. Porque a circunstância condiciona e é inimiga. Ortega y Gasset se fez sábio num clichê brilhante e em tom de provérbio. Mas se o parâmetro circunstancial dita a vida, de que nos servem meia dúzia de princípios inaplicáveis ("...y se no la tengo ella, no me tengo Yo")? Ser escravo das sensações efêmeras presas nas circunstâncias fugidias... Porque o tempo não muda nada, a não ser o ângulo da nossa percepção. Mas resta, de tudo, no fundo da água tingida de lama um cais de futuro preso num porto onde não há mais vida. Se é, pois, o fim do trajeto um momento tão almejado não há motivo que faça prevalecer a dor da mudança. A humanidade é uniforme e nem um pouco metafórica... o que faz com que todas as pretensões de inconstância se transformem em rígidas estabilidades de tédio. Todavia, não tiro razão de Heráclito e nem julgo inválido o seu desvario: Nenhum homem se banha duas vezes na mesma água mas o que muda, de fato, é o rio. No mais, mudam-se, com o passar dos anos, os parâmetros da lente do tempo. Mas presa em seu solilóquio a humanidade persiste, dia pós dia (invariavelmente a mesma), em suas rígidas instabilidades de tédio.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A economina das trocas disfórmicas

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(Ou: Iconografia dos deuses da interpretação no campo do espelho)
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com a licença de Pierre e Bourdieu:
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Hermes. Diz-se na mitologia grega de um dos deuses olímpicos, filho de Zeus e de Maia, conhecido por ter vários atributos, dentre os quais se destaca a sua função de intéprete da vontade do Logos. Daí a denominação segundo a etimologia imprecisa: possivelmente derivado de hermeneus, cujo significado é "intérprete". Ligado ao discurso, à transmissão de mensagens e à interpretação, conferiu seu nome a uma arte-ciência, a hermenêutica:
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(her-me-nêu-ti-ca)
s.f.
Arte de interpretar os livros sagrados e os textos antigos: hermenêutica sagrada.
Teoria da interpretação de vários sinais como símbolos de uma cultura.
Arte de interpretar leis.
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Embora assim relacionado à literatura sacra, encontrou seu correspondente para além das fronteiras da cultura clássica ocidental. Exu - orixá da comunicação. "....nem completamente mal, nem completamente bom...", na visão de Pierre Verger. Conhecedor da natureza humana, dotado de grande sabedoria, austucioso, culto e, veja só, vaidoso!, muitas vezes relacionado à figura do diabo (diá-bo!).
E era de fato, a despeito da sua relação com a literatura sagrada, profana a narrativa que lhe era ofertada. Do que ele fez, por fim, oferenda - servida em mesa redonda diante do espelho pra ser devorada à luz da sua vaidade. E foi! (Caravaggio que o diga). Farofa amarela, azeite de dendê e cachaça branquinha, que é para poder experimentar sua imagem também no fundo do copo.
Foi então que o Narciso caiu com a testa na água e despedaçou o espelho que resguardava o projeto inaudito. Porque o reflexo era retroflexo, mas ele não sabia. E aí veio aquela manifestação precisa da indignação do Borges, do personagem que abominava em igual medida o espelho e a cópula.. por multiplicarem indiscriminadamente a espécie humana.
Hermes confundido - e a culpa era toda do espelho, este "divino maravilhoso" artefato de escambo.
Pois assim é que se dava aquela relação... na base da troca. Um com a cara, o outro com a superfície mágica.
Até que chegou o "senão" hermenêutico e caiu com a testa no espelho... manchando de vaidade viscosa a narrativa que era feita de realismo fantástico.
Estória com "e" - desenredo.
Inscrita no projeto inaudito de um espelho hermenêutico espatifado.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Toada sincopada do tempo originário

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(Porque a reflexão pode ser mais precisa que a tomografia por emissão de pósitrons)
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"Ela: É que o o fato de lidar com prazos todos os dias no meu trabalho faz com que eu perca todos os prazos da minha vida... Aquela coisa da prescrição, sabe?
Ele: Graças aos concursos públicos!"
Quanto a mim, preferiria nem saber! A droga da prescrição que sempre me vem em forma de corte, seja de uma maneira ou de outra.
Nasce uma vida, morre uma possibilidade! Aquela história do quid pro cuo natural que acompanha a nossa existência...
De qualquer forma, não é pelos concursos públicos que se aprende que o nascer e o morrer não são dicotômicos. Particularmente, sigo acreditando que talvez eles nem sejam.
Escrever isso, e tomar ciência da vida-morte após minutos de Schopenhour e livre arbítrio, me fez trocar o café por um texto antigo, que se encontrava há tempos na via de (não) se escrever:
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Da morte e da morte em suas várias instâncias...
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Tenho pensado recentemente na auto-eutanásia enquanto procedimento terapêutico para se ter uma vida melhor - com a ressalva de que o que parece um paradoxo pode constituir a resposta certa para a xarada de tantas esfinges que nos aparecem por aí, vez ou outra. Mas considerar tal hipótese resultaria inevitavelmente em conceber antes a morte em suas várias instâncias, as quais coabitam, nem sempre sem o seu aspecto sepulcral, com formas diversas de nascimento e renascimento que nos acompanham desde a nossa chegada no mundo. O início da morte no nascimento, pensado na filosofia e até cantado na toada sincopada de uma bossa nova, seria um exemplo disso...
Mas acontece que a coisa aperta justamente em decorrência da angústia que acompanha a ideia de morte, de finitude e de solidão. De solidão? Eu não equacionaria assim, mas se a vida o faz, o que hei de dizer?
Das estrelas à alma tudo é feito de átomos, os quais possuem qualidade finita, quantidade infinita e uma infinitude de combinações. Diz Demócrito, não eu. A morte física representaria assim o fim do corpo, enquanto os átomos, então desintegrados, persistiriam eternos, indestrutíveis e, sobretudo, livres para outra forma de construção.
Mas acontece que a morte física é apenas uma dentre as instâncias disse que se compreende por morte (e por nascimento). Por consequência, a construção e desconstrução por intermédio ou não dos átomos seria, portanto, apenas um enumerado de instâncias possíveis não necessariamente limitadas à existência da matéria.
E o que isso tem a ver com a auto-eutanásia?
Pois bem, a morte necessária, voluntária ou não, conduz ao nascimento de alguma outra forma de vida - possibilidades, caminhos e circuitos que, integrados ou não, acabam por formar novas redes sinápticas que tendem a se consolidar com o tempo... até que lhes venha o encontro com uma nova morte, apagando do mapa cerebral o caminho já traçado e dando início a um novo ciclo - instável no início, mas que também tende a se consolidar com o tempo.
Hoje (e de fato eu não me recordo que dia é hoje!) eu não queria que morresse... mas tive logo pela manhã a consciência de que a consequência de se dar ao luxo de viver no tempo originário é ser submetido às peripécias do tempo cronológico.
[DERROGADO]
Não vou terminar.
Texto,
Ruim. 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A negação

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("Save the cat-butterfly...")
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Porque bem como os gatos Ela tinha sete vidas. A diferença é que as deles (dos gatos) eram sucessivas, já as dela... concomitantes.
E lhe parecia certa aquela existência plural e simultânia tão somente porque fática. A profundidade não precisa necessariamente se inserir num espaço a ser adentrado, podendo antes residir na superfície. No mais, desconhecia qualquer outra espécie de vida cujo porto se firmasse em local preciso com a previsibilidade de quem conhece mares e viajantes, sem contudo se deslocar um só instante do mesmo lugar.
Mas não tinha a ver com a distância! O fator espacial fora talvez o menos importante em sua constatação cabal daquela existência plural de aspiração energética. E como não pudesse rejeitar a matéria e o tempo que lhes eram impostos por sua condição humana, adorava a ideia de conceber o universo em sua casca de noz. Porque a vida era um coma - e ninguém sabia! E Ela por vezes lamentava o triste desprivilégio de não ser unipolar. E quando lhe vinha aquela vontade de coerência incisiva resistia bravamente à tentação de não se entregar a uma vida, como quem teme a constância de encontrar lugares diversos sem nunca encontrar a si próprio. Era medrosa portanto.. e a sorte dos gatos não lhe atingia. Se as sete vidas eram simultâneas, as sete mortes haveriam de ser também.
Mas todavia não se furtava ao prazer de ser de si um labirinto no qual todos os caminhos conduziriam a um espaço comum, que era o seu. E encontrar a si própria era deveras um prazer... muito provavelmente o maior de todos. Ademais, antes lhe alcançasse o coma inconsciente da vida do lhe fosse furtado o prazer de sua autocompanhia. Não lhe parecia nobre a cogitação de um narcisismo disfórmico, mas como se referia muito mais ao prazer de si do que à autocontemplação não lhe surgia à mente com frequencia como se parecesse um problema.
Porque ela era um relógio derretido... que diminuía forçosamente seus batimentos na tentativa de se tornar energia. Como não lhe fosse possível, a explosão que era consequencia e efeito proliferava aquela matéria estranha, que todos chamavam de vida. E antes fosse matéria, porque na verdade não era. O que quer que fosse estaria sempre e tão mais vinculado ao tempo. E se a memória era persistente, como de fato sempre fora, derreter a si enquanto relógio ajudaria a controlar aquela matéria amorfa que como se fosse póssível insistia na sua condição de atempo.
Porque bem como os gatos, Ela também tinha sete vidas... Ela tinha sete vidas mas ainda era sua; e por isso estava feliz.