terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A economina das trocas disfórmicas

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(Ou: Iconografia dos deuses da interpretação no campo do espelho)
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com a licença de Pierre e Bourdieu:
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Hermes. Diz-se na mitologia grega de um dos deuses olímpicos, filho de Zeus e de Maia, conhecido por ter vários atributos, dentre os quais se destaca a sua função de intéprete da vontade do Logos. Daí a denominação segundo a etimologia imprecisa: possivelmente derivado de hermeneus, cujo significado é "intérprete". Ligado ao discurso, à transmissão de mensagens e à interpretação, conferiu seu nome a uma arte-ciência, a hermenêutica:
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(her-me-nêu-ti-ca)
s.f.
Arte de interpretar os livros sagrados e os textos antigos: hermenêutica sagrada.
Teoria da interpretação de vários sinais como símbolos de uma cultura.
Arte de interpretar leis.
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Embora assim relacionado à literatura sacra, encontrou seu correspondente para além das fronteiras da cultura clássica ocidental. Exu - orixá da comunicação. "....nem completamente mal, nem completamente bom...", na visão de Pierre Verger. Conhecedor da natureza humana, dotado de grande sabedoria, austucioso, culto e, veja só, vaidoso!, muitas vezes relacionado à figura do diabo (diá-bo!).
E era de fato, a despeito da sua relação com a literatura sagrada, profana a narrativa que lhe era ofertada. Do que ele fez, por fim, oferenda - servida em mesa redonda diante do espelho pra ser devorada à luz da sua vaidade. E foi! (Caravaggio que o diga). Farofa amarela, azeite de dendê e cachaça branquinha, que é para poder experimentar sua imagem também no fundo do copo.
Foi então que o Narciso caiu com a testa na água e despedaçou o espelho que resguardava o projeto inaudito. Porque o reflexo era retroflexo, mas ele não sabia. E aí veio aquela manifestação precisa da indignação do Borges, do personagem que abominava em igual medida o espelho e a cópula.. por multiplicarem indiscriminadamente a espécie humana.
Hermes confundido - e a culpa era toda do espelho, este "divino maravilhoso" artefato de escambo.
Pois assim é que se dava aquela relação... na base da troca. Um com a cara, o outro com a superfície mágica.
Até que chegou o "senão" hermenêutico e caiu com a testa no espelho... manchando de vaidade viscosa a narrativa que era feita de realismo fantástico.
Estória com "e" - desenredo.
Inscrita no projeto inaudito de um espelho hermenêutico espatifado.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Toada sincopada do tempo originário

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(Porque a reflexão pode ser mais precisa que a tomografia por emissão de pósitrons)
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"Ela: É que o o fato de lidar com prazos todos os dias no meu trabalho faz com que eu perca todos os prazos da minha vida... Aquela coisa da prescrição, sabe?
Ele: Graças aos concursos públicos!"
Quanto a mim, preferiria nem saber! A droga da prescrição que sempre me vem em forma de corte, seja de uma maneira ou de outra.
Nasce uma vida, morre uma possibilidade! Aquela história do quid pro cuo natural que acompanha a nossa existência...
De qualquer forma, não é pelos concursos públicos que se aprende que o nascer e o morrer não são dicotômicos. Particularmente, sigo acreditando que talvez eles nem sejam.
Escrever isso, e tomar ciência da vida-morte após minutos de Schopenhour e livre arbítrio, me fez trocar o café por um texto antigo, que se encontrava há tempos na via de (não) se escrever:
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Da morte e da morte em suas várias instâncias...
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Tenho pensado recentemente na auto-eutanásia enquanto procedimento terapêutico para se ter uma vida melhor - com a ressalva de que o que parece um paradoxo pode constituir a resposta certa para a xarada de tantas esfinges que nos aparecem por aí, vez ou outra. Mas considerar tal hipótese resultaria inevitavelmente em conceber antes a morte em suas várias instâncias, as quais coabitam, nem sempre sem o seu aspecto sepulcral, com formas diversas de nascimento e renascimento que nos acompanham desde a nossa chegada no mundo. O início da morte no nascimento, pensado na filosofia e até cantado na toada sincopada de uma bossa nova, seria um exemplo disso...
Mas acontece que a coisa aperta justamente em decorrência da angústia que acompanha a ideia de morte, de finitude e de solidão. De solidão? Eu não equacionaria assim, mas se a vida o faz, o que hei de dizer?
Das estrelas à alma tudo é feito de átomos, os quais possuem qualidade finita, quantidade infinita e uma infinitude de combinações. Diz Demócrito, não eu. A morte física representaria assim o fim do corpo, enquanto os átomos, então desintegrados, persistiriam eternos, indestrutíveis e, sobretudo, livres para outra forma de construção.
Mas acontece que a morte física é apenas uma dentre as instâncias disse que se compreende por morte (e por nascimento). Por consequência, a construção e desconstrução por intermédio ou não dos átomos seria, portanto, apenas um enumerado de instâncias possíveis não necessariamente limitadas à existência da matéria.
E o que isso tem a ver com a auto-eutanásia?
Pois bem, a morte necessária, voluntária ou não, conduz ao nascimento de alguma outra forma de vida - possibilidades, caminhos e circuitos que, integrados ou não, acabam por formar novas redes sinápticas que tendem a se consolidar com o tempo... até que lhes venha o encontro com uma nova morte, apagando do mapa cerebral o caminho já traçado e dando início a um novo ciclo - instável no início, mas que também tende a se consolidar com o tempo.
Hoje (e de fato eu não me recordo que dia é hoje!) eu não queria que morresse... mas tive logo pela manhã a consciência de que a consequência de se dar ao luxo de viver no tempo originário é ser submetido às peripécias do tempo cronológico.
[DERROGADO]
Não vou terminar.
Texto,
Ruim. 

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A negação

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("Save the cat-butterfly...")
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Porque bem como os gatos Ela tinha sete vidas. A diferença é que as deles (dos gatos) eram sucessivas, já as dela... concomitantes.
E lhe parecia certa aquela existência plural e simultânia tão somente porque fática. A profundidade não precisa necessariamente se inserir num espaço a ser adentrado, podendo antes residir na superfície. No mais, desconhecia qualquer outra espécie de vida cujo porto se firmasse em local preciso com a previsibilidade de quem conhece mares e viajantes, sem contudo se deslocar um só instante do mesmo lugar.
Mas não tinha a ver com a distância! O fator espacial fora talvez o menos importante em sua constatação cabal daquela existência plural de aspiração energética. E como não pudesse rejeitar a matéria e o tempo que lhes eram impostos por sua condição humana, adorava a ideia de conceber o universo em sua casca de noz. Porque a vida era um coma - e ninguém sabia! E Ela por vezes lamentava o triste desprivilégio de não ser unipolar. E quando lhe vinha aquela vontade de coerência incisiva resistia bravamente à tentação de não se entregar a uma vida, como quem teme a constância de encontrar lugares diversos sem nunca encontrar a si próprio. Era medrosa portanto.. e a sorte dos gatos não lhe atingia. Se as sete vidas eram simultâneas, as sete mortes haveriam de ser também.
Mas todavia não se furtava ao prazer de ser de si um labirinto no qual todos os caminhos conduziriam a um espaço comum, que era o seu. E encontrar a si própria era deveras um prazer... muito provavelmente o maior de todos. Ademais, antes lhe alcançasse o coma inconsciente da vida do lhe fosse furtado o prazer de sua autocompanhia. Não lhe parecia nobre a cogitação de um narcisismo disfórmico, mas como se referia muito mais ao prazer de si do que à autocontemplação não lhe surgia à mente com frequencia como se parecesse um problema.
Porque ela era um relógio derretido... que diminuía forçosamente seus batimentos na tentativa de se tornar energia. Como não lhe fosse possível, a explosão que era consequencia e efeito proliferava aquela matéria estranha, que todos chamavam de vida. E antes fosse matéria, porque na verdade não era. O que quer que fosse estaria sempre e tão mais vinculado ao tempo. E se a memória era persistente, como de fato sempre fora, derreter a si enquanto relógio ajudaria a controlar aquela matéria amorfa que como se fosse póssível insistia na sua condição de atempo.
Porque bem como os gatos, Ela também tinha sete vidas... Ela tinha sete vidas mas ainda era sua; e por isso estava feliz.