quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

A negação

.
("Save the cat-butterfly...")
.
Porque bem como os gatos Ela tinha sete vidas. A diferença é que as deles (dos gatos) eram sucessivas, já as dela... concomitantes.
E lhe parecia certa aquela existência plural e simultânia tão somente porque fática. A profundidade não precisa necessariamente se inserir num espaço a ser adentrado, podendo antes residir na superfície. No mais, desconhecia qualquer outra espécie de vida cujo porto se firmasse em local preciso com a previsibilidade de quem conhece mares e viajantes, sem contudo se deslocar um só instante do mesmo lugar.
Mas não tinha a ver com a distância! O fator espacial fora talvez o menos importante em sua constatação cabal daquela existência plural de aspiração energética. E como não pudesse rejeitar a matéria e o tempo que lhes eram impostos por sua condição humana, adorava a ideia de conceber o universo em sua casca de noz. Porque a vida era um coma - e ninguém sabia! E Ela por vezes lamentava o triste desprivilégio de não ser unipolar. E quando lhe vinha aquela vontade de coerência incisiva resistia bravamente à tentação de não se entregar a uma vida, como quem teme a constância de encontrar lugares diversos sem nunca encontrar a si próprio. Era medrosa portanto.. e a sorte dos gatos não lhe atingia. Se as sete vidas eram simultâneas, as sete mortes haveriam de ser também.
Mas todavia não se furtava ao prazer de ser de si um labirinto no qual todos os caminhos conduziriam a um espaço comum, que era o seu. E encontrar a si própria era deveras um prazer... muito provavelmente o maior de todos. Ademais, antes lhe alcançasse o coma inconsciente da vida do lhe fosse furtado o prazer de sua autocompanhia. Não lhe parecia nobre a cogitação de um narcisismo disfórmico, mas como se referia muito mais ao prazer de si do que à autocontemplação não lhe surgia à mente com frequencia como se parecesse um problema.
Porque ela era um relógio derretido... que diminuía forçosamente seus batimentos na tentativa de se tornar energia. Como não lhe fosse possível, a explosão que era consequencia e efeito proliferava aquela matéria estranha, que todos chamavam de vida. E antes fosse matéria, porque na verdade não era. O que quer que fosse estaria sempre e tão mais vinculado ao tempo. E se a memória era persistente, como de fato sempre fora, derreter a si enquanto relógio ajudaria a controlar aquela matéria amorfa que como se fosse póssível insistia na sua condição de atempo.
Porque bem como os gatos, Ela também tinha sete vidas... Ela tinha sete vidas mas ainda era sua; e por isso estava feliz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário