segunda-feira, 10 de maio de 2010

O Jacaré do São Francisco Me Causa Consolo...

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(Isto não é um Tratado da Ressaca)
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Da outra vez que eu dei com a cara no muro as paredes eram doces (se bem que ácidas) e o galo que se formava era menos latejante, apesar da inevitável protuberância. É que a gente sempre sente um excesso de equilíbrio, justamente nos momentos mais embriagados. O porre pode até parecer irrelevante, mas a crueldade da ressaca é inacreditável. Além do mais a gente sempre prolonga o sono, com o medo justificado da sensação estúpida de quando se levanta da cama.
Mas o fato é que da vez passada o gosto agridoce na boca era menos ostensivo, sem falar que a náusea constante não levava tanto tempo para dar uma trégua.
Pensei se seria coisa da idade, mas julguei em seguida que não. Talvez um estado de espírido sugerido pela imersão em algum Bukowski, mas eu bem sei há quanto tempo eu abandonei essa leitura. Não sei, não sei.
Mas deveria saber da inexistência de eventos impossíveis, por mais improváveis que fossem. Futuro do pretérito - eis o tempo verbal da angústia!
Não que o dia seguinte seja o grande mal da humanidade, mas sair de um estágio de transe prolongado é sempre doloroso - é necessário recordar a sensação de perplexidade, anestesiada pelo fetiche, em qualquer uma de suas formas - Que assim seja!
Ou pelo menos que fosse, desfazendo a realidade dessa ressaca miserável.
Tentei recordar um sinônimo ilustre e machadiano para o vocábulo "ressaca".. mas não consegui. Refletir sobre sensações em estágio presente é sempre um fracasso.
O distanciamento necessário..[...] mas seria mesmo necessário discorrer sobre isso?
Quero, neste instante, em pleno livre arbítrio gozar da liberdade de não ter de citar filófosos. Sequer recordá-los. Ao menos que houvesse um tratado explícito sobre a ressaca, mas não creio ser o caso.
E a todos os que acreditam que determinados momentos da vida são incomparavelmente traumatizantes, que experimentem uma ressaca! Não etílica, mas existencial. Destas de te botar atônico de frente à caneta, cogitanto o incogitável e roendo as unhas ao som Wagner. Me refiro à ressaca que te faz reler toda a fileira de Clarice Lispector e procurar no Guimarães Rosa alguma charada de tamanho enigma que te faça poder, por um instante, realizar alguma espécie de equiparação.. com essa sensação toda, digna de medo nunca causado por um Finnegans Wake (se bem que eu prefiro a "manga Rosa do jacaré do São Francisco", para citar nem um pouco ipsis literis Waly Salomão - outro dia eu corrijo isso!).
Ah, já tardava..
Foi-se, agora, também minha liberdade. Sobrou a ausência dela e essa inconcebível (como é que se diz?) ressaca. Será necessário outro porre para que eu volte a escrever livremente?
Se eu não acreditasse na loucura enquanto construção social, correria o risco de passar a acreditá-la enquanto artefato da minha mente. (Foucault me faça justiça!)
Consequencia da ressaca - e haveria de ser outra coisa?
Sinto que é chegada a hora, mas a vida que é mostrada lá fora sempre acaba oculta, sob minha triste lente ressaqueada e míope.