quinta-feira, 16 de setembro de 2010

De Hieróglifos e de Esquimós...

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(Ou, é melhor pedir licença poética do que vênia)
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Eu sabia que não viria, mas por acaso há esperança mais insistente que a dos ensufocados? Optei pela invenção deste adjetivo um tanto opaco pra fugir daquele outro, que deriva de um substantivo em uma música que agora ouço chamado de brega. Uma música do mesmo cara com o qual concordo em tantas outras, bastante no que se refere à fugacidade de algumas concepções, mas principalmente no que se refere à lucidez com que ele enxerga não só essas, mas tantas outras coisas.
E assim, com uma narrativa mais cifrada que a decifrada razão que fiz do verbo que é dele, recompus a minha fé ao som da melodia que me leva cada vez mais longe daquele adjetivo, que consiste, talvez, na essência brega mais indelevelmente perpetuada pela espécie humana. Não há pleonasmos aqui, mas sim eufemismo. Eufemismo que essa coisa brega adora, inclusive, num rótulo tão sutil e ordinário quanto o do jargão do “modéstia à parte”.
Mas se o criador tem, de fato, o poder de dispor sobre a criatura, ou se acredita na hipótese de que isso tudo venha de um plano outro, ou se compreende a si, em ereção artística, como inventor dessa coisa, que ora se apresenta como Art Nouveau, ora como arquitetura barroca. Bauhaus talvez fosse uma deriva, dentro dessa esfera. Mas por mais que haja diálogo entre o arcaico e o pós-moderno nesse ciclo todo, não acredito que a sua potência possa alcançar o condão de vanguarda.
Trata-se da essência mais indelevelmente perpetuada pela espécie humana, como já havia dito. Traçada em hieróglifos no caixa torácica daqueles pobres homens que mesmo sem o fogo, a escrita e o sedentarismo já padeciam do irremediável. Calendários seculares depois, em tempos de Ipode, twitter e sei lá mais o quê, a conjuntura é a mesma – será que o “indelevelmente perpetuada” faz sentido agora?
Acordo-me neste instante, e peço qualquer “com licença” poética para fazê-lo, de um outro cara que conferia à ausência de esperança a pura essência dessa coisa toda, que a música chama de brega. Sem esperanças remetia à verdade... com esperanças à metade, algo assim. Em termos cifrados da minha razão decifrada, também. Mas o que é que se há de fazer?
Só sei que minha esperança agora se mostra mais calma e talvez até inexistente. O vaso antigo que agora observo da minha sacada não pensa, mas existe, quer Descartes queira, quer não. E a razão que faço eu desses termos todos não confortaria qualquer coisa que a madrugada infiltra, não fosse o meu cansaço desta noite e o meu ponto expediente que amanhã decidiu acordar mais cedo (se alguém desse mais confiança a Descartes, talvez ele nem existisse). Acrescente-se, confesso, alguma gota de óleo e de ácido destes meus últimos dias. E ainda uma dose de minha inaptidão para lidar com breguices arquitetônicas insistentes e desafiadoras de Descartes, por que não?
Assim, minha Art Nouveu/ construção barroca/ Bauhaus talvez se transformasse em arquitetura orgânica, esculpida no pólo sul, sob minha incapacidade de enxergar outros tons senão o branco e do alto da minha forte vontade de congelar hieróglifos seculares agora.
Mas acontece que o CD já inicia seu último giro e é bom dar pausa ao ouvido – vai que a inconveniente esperança insistente decide voltar de novo? Enquanto houver meios de transporte pós-modernos as essências perpetuadas da espécie humana serão um forte risco – Viva o bel paradoxo dessas coisas todas!
O bom mesmo é a certeza de que a ficção proporciona o prazer de alcançar a plenitude e a realidade, de tudo o quanto carece ou padece de sentido. E depois se quedar inerte ao pé do ouvido... de verdades muito mais aconchegantes, apesar de bregas.

Post Scriptum:
Seja como for, a realidade é bem mais doce... e ainda respira