quinta-feira, 18 de junho de 2009

Há mais mistérios entre estes 299 km do julga nossa vã filosofia...

Prezado amigo (a quem as letras e uma certa quarta-feira furtaram o status de estranho),

Hoje o dia amanheceu tão enfaticamente cinza que, mesmo depois de dormir horas a fio, ainda me toma fortemente as pálpebras alguma sensação pesada de sono, ou de cibemol rouco... entoado por uma gaita cansada, não sei. É fato que ainda venho me acostumando com esta nova (velha) vida, além do mais o contraste incisivo entre esta cidade sulista provinciana e o sol do meu antigo Cerrado tem me trazido como síntese sabe-se lá quantos aglomerados de sensações (da maneira mais plurificada possível!). Mas, depois da ousada intimidade firmada pelo apreço etílico, eu não cometeria jamais a audácia de me meter a falar de "setires" - esqueçamos o cinza e o cibemol da gaita, passemos às anormalidades.

Julgo que há sim neste nosso "reino de cartas" alguma dose salutar de insanidade. A nossa proximidade, ainda que não geográfica, certamente firmou-se sobre algum viés de excentricidade que nos une, n'algum ponto - e, insisto, - n'algum conto. Mas eu também não quero falar de rimas.. elas grudam, pregam-se na pele da língua aprimorando as papilas gustativas para as impressões mais intensas sobre a vida. Há também as vezes em que brotam feito praga, tornando tudo pifiamente reproduzido sobre o prazer barato da mera conexão acústica ("se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução").

As palavras pegam e infectam a quem padece (ou se compadesse) por elas... e nós sabemos bem disso. Irrenunciável, irretratável, e inalienável - como as rimas conspiratórias que nos acometem nos dias de chuva. De rima em prosa ou de prosa em rima a gente monta uma valsa, ou uma sinfonia bethoveniana, dependendo do tamanho de nossa tempestade.

Mas acontece que hoje o dia amanheceu todo cinza e eu bem suponho que ainda virá uma carga de chuva. Deixemos a tempestado, não quero antecipar sensações. Recolho-me então à frieza do cebemol entoado pela minha gaita rouca. E ao som mudo destas palavras, adoráveis pontífices desse nosso "reino de cartas".

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Das autópsias...

(onde o radical auto - anote-se - possui tamanha e notável importância)

“É como se diz nas autópsias: o interno não aguenta tinta” - mal engolira a seco o café amargo de meu mais um dia desses e já recordava a prosa machadiana. Não, nada disso. Não quero parecer magister em interpretações equivocadas, todavia, caríssimos, de antemão e prontamente esclareço que não se trata de nenhuma retórica bem elaborada de algum Dr. OAB 0000-0, enfim. Trata-se, antes, de prova fática e talvez iletrada, quiçá realmente doutora – não se sabe! - já que se trata de carne fria, congelada a sabe-se lá quantos graus centígrados num freezer nada aconchegante. Que me desculpem aqueles a quem eu causei decepção ao dizer que não trato – e relato – aqui o estado estático do presunto que recheou meu pão francês no café da manhã deste dia (até porque reneguei aos hábitos carnivoros há um tempo – e por um tempo – e também não costumo acordar a tempo de dirigir-me à padaria para esse tipo de deleite matinal – sim, o tempo também está em toda parte). Trata-se, presados, de carne humana: esta, essa e aquela que em alguns lugares do mundo, inclusive n'alguns da terra brasilis, serve de comida aos abutres e que mostrou-se à minha frente nesta manhã de segunda numa visita ao Instituto Geral de Perícias. Ora, ossos (e, aqui, para todas as acepções) do ofício! - vulgo, aula de Medicina Legal. O universo parecia mais suave no Mundo das Letras, digo, o do meu tempo de antiga graduação. Ou não! - penso. Tudo o que é ato humano sangra, de alguma forma. O salto se deu apenas para uma esfera mais concreta. E assim parti eu em minha sina, ora vá-sina, acadêmica - desde as salas de análises de identificação mais simples até o cheiro de formol. Lá o “arquivo morto” não encontraria nome mais cabível. Tudo cheira a gelo e frieza e não se vê muitas manifestações do que se conhece por vida. O que separa o ser humano de uma máquina é, hoje em dia, quase nada (exemplifique-se com as bonecas de criança com semelhança semi-viva ou com os bonecos de dublagem ou de simulação). Ressalto aqui que ainda não entrei no mérito do aspecto cognitivo (ou interior), até porque, retomando Machado, o interno realmente não aguenta tinta. O corpo, contudo, mostrava-se ali, duro, mas com cor, brilho opaco e com muito mais massa corporal que muitas das crianças que me apareceram ontem num documentário sobre o Zaire, vá lá! E assim, retomo, a única diferença entre aquele, no freezer, e os outros, o médico legista e os os companheiros de sala, era, sem dúvida, a existência/inexistência de movimentos e funções vitais. Talvez, numa parte mais..., digamos bem simplóriamente, “profunda”, o cara do freezer estivesse muito mais vivo que tantas outras pessoas aqui de fora (não quero falar sobre o “aqui de dentro”). Sendo assim, e por fim, a ausência de vida se dava, na sala, pela falta de cor, de calor, de céu ou sol, quem sabe de uma vegetação colorida que não demonstrasse cores tão opacas quanto as de uma natureza morta (essa já várias vezes pintada e certamente pendurada em diversas paredes desse mundo).
Não sei se quero escrever sobre isso! É enfadonho e cheira à morte e eu não pretendo lançar mão do tinteiro e encenar um Brás Cubas do terceiro milênio. A morte se dá de várias formas. Morre-se todos os dias, de uma maneira ou de outra. E eu, que contrariando Aristóteles não sei se pretendo ser imortal tanto quanto me for possível, preocupo-me antes com o desejo que às vezes me bate de fugir do (com) gelo interno, seja com um copo de wisky, com um trago de Rosa ou postanto este relato funesto aqui. Por fim, deixo claro que também não pretendo cheirar a Bukowski. E, não final das contas, espero também não ter conduzido ao (com) gelo nenhuma alma encalorada que teve má fortuna de se aventurar nesta narrativa – tão fria e áspera quanto o indigente desprovido de vida que conheci nesta manhã, de segunda. As finalizações reiteradas são propositais, já que o texto trata de finitude e angústia (que venha Kieekegaard!). Se bem que não sei ao certo se existe metalinguagem para a morte. Assim, sem mais (linguagem ou meta), eis o fim!

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Dos Porquês...

Sim, senhoras e senhores..
Considere-se esta uma data de redenção. Não, absolutamente (sim, em ênfase). Nada relacionado com (mais um) dia do marketing, cujo subtítulo aplicado compreende os dizeres "dia dos namorados". Considere-se a data e a redenção relacionadas antes - e apenas - aos porquês (vide o título) que me conduziram à criação deste espaço. Por muito tempo resisti às inovações e revoluções tecnológicas. Mas hoje minha resistência consiste sobretudo na preferência da vitrola sobre o Ipode, da câmera de filme sobre o Mp3245..., do meu Uni Mille 1994 sobre todos os auto e aeromóveis do mundo e, mormente, do lápis-papel-borracha (outrora "pena da galhofa") sobre o teclado (seja da máquina datilográfica ou do meu notebook). Mas acontece que, bem como a misantropia, a resistência tecnológica dentro de mim é um ato, não um fato. Logo, permito-me às neo-condecorações.
No mais, para além do exposto, decidi também tomar uma certa consciência ecológica e poupar folhas de papel de pão, guardanapos, envelopes de correspondência e todas as outras superfices brancas e orgânicas que costumavam recepcionar minhas casuais angustias, ou rabiscos. Ora pois, deleito-me, agora, sobre o teclado e sobre a tela onde, ou para onde, pretendo transmitir de ofício meus "suspiros poéticos, sensações e descuidos". Além de meu sempre destorcido auto-retrato mudo. E, casualmente, de meu "despimento" infame e obscuro, ai de mim!

Carta ao estranho

Caro ex-estranho,
Não saberia dedicar outra coisa senão uma pausa de alguns (vagos) compassos ao instante desta, ora aquela, quarta-feira que trouxe de volta aquilo que, em verdade, nunca teve uma partida - sequer uma chegada. Digo, sim, da nossa amizade, ou ao menos do que a dupla abstração de nossas mentes projetou a respeito dela. Não pretendo chegar num ponto, considerado-se o estado de linha reta (aquela, "a descrição linear das coisas") em que tudo se encontra, ou se conta. Mas vou ao fato, já que este sim existe, de que o tempo, ora - o tempo, apresenta-se de diversas formas sendo delas a cronológica a que menos me atrai. E, ressalte-se, a que mais a mim trai. Donde surge qualquer coisa que me remete ao... tempo originário, para toda e qualquer concepção que se tenha a seu respeito.
Mas por fim, e de tudo isso a despeito, devo registrar que tudo certo quanto a possibilidade de um papo, um jazz e um fermentado. Sim, um fermentado. Porque quanto aos destilados, friso sim o meu apreço por eles, mas não apenas a eles. Os fermentados também encontram-se no meu hall de apreciação. A diferença, talvez gritante, entre uma coisa e outra, é que há várias maneiras de se tomar uma cerveja, mas apenas uma de se degustar um wisky (principalmente se você conseguir tragar um charuto imaginário e ouvir Coltrane dentro da vitrola existente no seu cerebelo) – mas este também não é o ponto. O ponto – além do conto – em questão foi o colocado há algum tempo “x” dum passado não muito remoto que conduziu ao lapso que proporcionou este re-conhecimento.
E, agora sim, cheguei n'algum exato momento. O (re) conhecimento e o (re) encontro que conduziram não só ao (re) estabelecimento de nossa nova velha amizade, mas também à criação desta página. Donde retiro que bem poderia ela chamar-se "crônicas a um desconhecido, ou ilustre estranho", mas preferi deixar assim, como tudo um tanto quanto im-pessoal. Já que, afinal, letra após letra, nossa amizade permanece, a mesma.
E, agora sim, por ora - é isso.