(Talvez ela possuísse outro nome) *
E então ela decidiu que contar migalhas de pão sobre a mesa seria o seu mais novo esporte. Lembrara-se dos anos passados em que pisoteava espalhadas pelo chão as folhas secas. O amarelo e seu outono deixavam-lhe encantada como nada. Por outro lado, fingir crer na existência daquele sentimento burguês que especialmente no século vinte acometera o imaginário humano lhe faria mais meiga, mas não menos hipócrita.
Não lhe eram apenas obrigatórios os sonhos, mas também os risos, os votos, as penitências e os pedidos para o dia seguinte. A descrença era assim uma blasfêmia sob os seus cachos negros distribuídos no colo branco. Refém social de si mesma, ela era uma Monalisa presa em seu enigma tanto quanto o era Capitu contida em seus olhos de ressaca.
Cogitara certa vez que a loucura poderia lhe ser conveniente diante da vontade de expandir-se propagando em voz gritada a sua repulsa à marcha nupcial, às propagandas otimistas e aos programas especiais de fim de ano. Mas acordara-se que inadivertidamente rendera-se também muito cedo à voz comedida e meiga, aos modos delicados e aos sorrisos gentis que lhe dispensavam de agir como quem de fato se importa.
No fundo, ela sabia e aprendia a cada dia entre suas migalhas que a sociedade, os costumes e toda e qualquer atividade grupal humana prestava-se desde os primórdios a fabricar suicídios de ego, fanatismos religiosos e transtornos psiquiátricos de qualquer tipo. Típicos exemplos de esquizofrenia coletiva consuetudinária. Sendo assim, contar migalhas de pão sobre a mesa, embora não lhe rendesse medalhas olímpicas, seria uma ótima forma de preservar seus sentidos e de possuir a si mesma.