quinta-feira, 14 de abril de 2011

Com licença poética, Clarice:

Agradecimentos solenes ao Rodrigo SM... por ter feito ela ir embora.

Nicômaco à deriva



(Ou, "O justo meio refuta o centro")



Isto não é uma teoria. Nem é um tratado, ou algo do gênero. Constatação necessária, contudo. Aplicável a contingências diversas da vida. É certo: o ponto não encerra, mas demonstra a objetividade da tese. De tudo o quanto nos vem e nos surge e depois se esconde na vontade de ser conduzido ao centro: terrível erro involuntável, tal qual as reações compulsivas das moléstias psiquiátricas. E trata-se, antes, de moléstia propriamente dita - "p-a-t-o-l-o-g-i-a", de phátos (doença, tradutore) e lógos (estudo, traditore), sujeita, portanto, a esta descuidada análise. Conduz à cegueira, fato milenarmente conhecido. Moléstia consciente adquirida, "como quem se morre de varíola voluntária vágula evidente". À qual ninguém aplica a sábia tese maquiavélica em relação à tuberculose ("Das tísicas e da tísica..."). Mas este não é um tratado poético. A propósito, nem é um tratado. Acontece que buscar a excelência e agir conforme as virtudes, nos moldes do "justo meio" bem proposto por Aristóteles, não significa de maneira alguma conduzir as coisas a um centro. Inversa e antitética em relação a esta, inclusive, é a proposição segundo a qual o "justo meio" é dado pela equidistância das coisas em relação a cada um dos extremos. Justo meio aritimético, portanto. Ou, se restar mais claro, "meio termo". Movimento circular sem extremos e, consequentemente, sem nada subsistente no centro (anacruse de mil compassos ante a premissa fundamental). Talvez, então, o caminho para o justo meio possa ser traçado a partir da não condução a um centro daquilo que é estranho à razão e que se opõe a ela e resiste. Sabedoria estóica, não minha. Lançar fora, portanto, a idéia de referência - seja ela contingente ou não. Afastar, por meio de uma relatividade forçada, essa referência do páthos perpetuada no meio poderia, enfim, amenizar os efeitos nefastos de âncoras lançados em portos imprevisivelmente móveis e flutuantes. O que significaria aceitar que a máxima "ações moderadas, moderados; ações corajosas, corajosos" não é em nenhuma medida paradoxal. Refutação do centro, sem peso e nem angústia. objetividade do logos e praticidade da vida (ou "para" a vida). E à alteridade pode então ser conferida a leveza, à parte da idéia do "le enfer c'est les autres". Nomadismo de anima - já que quem não possui um centro é sempre desprovido da vontade de voltar pra casa.

Anticredo



(...§...)



Contudo, é inverdade. Dois ou três minutos de silêncio diriam mais que sete anos de palavras inúteis. Porque a circunstância condiciona e é inimiga. Ortega y Gasset se fez sábio num clichê brilhante e em tom de provérbio. Mas se o parâmetro circunstancial dita a vida, de que nos servem meia dúzia de princípios inaplicáveis ("...y se no la tengo ella, no me tengo Yo")? Ser escravo das sensações efêmeras presas nas circunstâncias fugidias... Porque o tempo não muda nada, a não ser o ângulo da nossa percepção. Mas resta, de tudo, no fundo da água tingida de lama um cais de futuro preso num porto onde não há mais vida. Se é, pois, o fim do trajeto um momento tão almejado não há motivo que faça prevalecer a dor da mudança. A humanidade é uniforme e nem um pouco metafórica... o que faz com que todas as pretensões de inconstância se transformem em rígidas estabilidades de tédio. Todavia, não tiro razão de Heráclito e nem julgo inválido o seu desvario: Nenhum homem se banha duas vezes na mesma água mas o que muda, de fato, é o rio. No mais, mudam-se, com o passar dos anos, os parâmetros da lente do tempo. Mas presa em seu solilóquio a humanidade persiste, dia pós dia (invariavelmente a mesma), em suas rígidas instabilidades de tédio.