sábado, 27 de outubro de 2012

Texto não literário:

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Entrelinhas de uma sinceridade pudica
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Conta-se acerca da Torre de Babel que fora construída em tempos remotos com o objetivo de unir seu cume ao céu, glorificando eternamente o homem. Como não agradasse o teocentrismo visionário propósito, teria recaído sobre os seres o castigo da incomunicabilidade, dividindo o mundo, desde o Tigre e o Eufrates, em diversas e incontáveis línguas. A inteligência humana, que pouco prospera mas a nada se rende, não tardaria, em sua presunção de romper tamanha barreira, a encontrar uma forma de driblar a praga celestial. E foi assim que o telencéfalo fez do aprender uma eficaz estratégia em prol do entendimento universal. 
Encantadora lenda, porém em muito falaciosa. Pois os milhares de anos que se seguiram não foram capazes de banir sequer minimamente a incomunicabilidade da face da terra. Por detrás da língua ainda habita o hiato de uma distância silenciosa e fecunda, tornando a linguagem (de onde nasce a interação) uma reles metáfora. Vem daí o estado de solidão disfarçado sob as vestes de uma proximidade tão falaciosa quanto a lenda que lhe refuta.
É por isso que o olhar fala mais que as palavras. É por isso que o toque acaba sendo a melhor forma de encontro. É por isso que não entender é o caminho mais rápido para tangenciar a essência. A prosa  esculpida e lapidada não alcança o código que extasia as veias de maneira tão eficiente quanto a poesia. E a música - Ah, música... - é ainda sem dúvida a maneira mais agradável de se equacionar a matemática dos campos celestes.
Celestes? Talvez o artifício lendário divino tenha se prestado justamente a desconstruir a lógica da nossa necessidade de um sentido que não se sabe viver sem ser explicado. Isso se relaciona em muito com a comunicabilidade entre as pessoas e as coisas, mas talvez não tanto entre os seres humanos. Estes - protagonistas da notória Torre - não se entendem por nascerem envoltos em epidermes de espelho. Distantes demais, assim é a lógica da vida. Acertados portanto os dizeres da música que não me pega tanto pelo texto quanto pela canção. E surgiu daí a minha necessidade de voltar à poesia, nascida casualmente na manhã de hoje. Quem sabe assim eu experimente de mais e reclame de menos. O contato com a substância que me faz bem desde a primeira vez em que afastei da forma. Em que me livrei da fôrma - essa camisa de forças que encerra a vastidão da palavra no código ignóbil de um supérfluo signo. No mais - como sempre há de ser - tudo é poeira e poesia. 

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